Do desvínculo

Ao passar os serões contigo no sofá, enquanto me fazes negaças para eu ir atrás de ti de sorriso maroto pendurado nas orelhas, só tenho vontade de te engolir. De uma assentada. Porque és cheirosa em todos os poros e porque és minha. Já foste mais.
Quando estavas na minha barriga, eras só minha. Mais ninguém sabia de ti, só eu te sentia. Eu é que sabia tudo e tudo controlava, pontapés era a mim, eu é que te alimentava e estavas-me literalmente colada.
Depois nasceste e perdi um bocadinho de ti, tive que te partilhar com o mundo, com as pessoas que te queriam pegar e eu, na altura, leoa assanhada que só tinha vontade de rosnar, que o bebé é meu, não mexe, nao respira.
Naturalmente que me fui habituando à necessária partilha de ti com o mundo. Os desvínculos são diários. À medida que cresces e atinges um novo patamar do teu desenvolvimento fico babada de orgulho porque já és tão crescida e ao mesmo tempo há um grinch nervoso lá no fundo de mim que me diz "aproveita, e aproveita bem, porque qualquer dia isto são só memórias". Se calhar sou uma stressada do pior e devia era estar caladinha, mas isto do blog também serve para fazer a catarse destas coisas que se sentem e se calhar não deviam ser ditas, mas eu digo na mesma porque quero lá saber. Agora já andas, já falas (à toa), já consigo apanhar o teu cabelo num rabinho de cavalo bem pequenino, já bebes sumo da palhinha, comes pão com manteiga e Corn Flakes ao lanche. És cada vez mais do mundo e menos minha e por isso é que todas as manhãs em que eu não acordo de noite para ir sofrer para o Rocha Pinto, ficamos ali a rebolar nos lençóis. Tu estas béca béca rebéu-béu-béu e eu estou ali só a absorver, a gravar imagens mentais de ti e de nós.

Por isso é que, sabendo perfeitamente que já bebes o biberão sozinha, eu gosto de to dar como se fosses bebé, de manhã, na penumbra do quarto. Haverá muitos mais vínculos importantes, mas este está a assomar-se como o último de ti enquanto a minha bebé, antes de seres a minha menina. Por isso é que eu tenho vontade de te engolir. Para voltares a ser minha e, por mim, podes ficar até aos 18 anos, quando tiveres que ir para a faculdade.

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